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Um Acorde Sem Dó


A pequena e quase circular mancha escura permaneceu por cerca de trinta anos tingindo o branco da tecla da mais grave nota Do do teu piano. A marca do cigarro de Paulo Roberto do Espírito Santo ficou ali talvez como lembrete de uma ideia musical que, vinte anos depois, daria origem à Canção do Exílio Sem Palavras.

A brasa se desprendeu do cigarro, apoiado na lateral do teclado, e esvoaçou para a terceira tecla, enquanto Paulo mostrava entusiasmado o acorde em Do Maior, sem a nota Do, com que Cesar Camargo Mariano finalizava uma de suas composições. E que tu acompanhou sem perceber o pouso musical das cinzas, queimando sem dó.

Acorde final de uma composição em Do Maior, conforme harmonização de Cesar Camargo Mariano, segundo descrição de Paulo Roberto do Espírito Santo.
Um acorde sem dó

Isso foi em 1969, após uma conversa, na sala de tua casa, sobre as mudanças no arranjo que ele, líder do conjunto musical oficial do II FEMPO - Festival de Música Popular da Baixada Santista, havia sugerido para História de Pescador, tua primeira composição apresentada em público, que havia estreado no dia 15 de setembro e ia para a segunda fase do festival. E que, alguns dias depois, iria passar por novo ensaio, com a inclusão de novos intérpretes, entre os quais o irmão de Paulo, Arismar do Espírito Santo, em uma sessão doméstica de música caseira santista.


Em 1991, quando a pianista Terão Chebl solicitou peças a compositores da cidade para montar um programa com músicas escritas por santistas, parece que tu ouviu o acorde soar daquela mancha, e se desdobrar nos primeiros compassos de Canção do Exílio Sem Palavras, até se mostrar por inteiro.


O acorde se desdobrou em arpejos que sublinhavam uma linha melódica de Tom Jobim, escrita um ano antes desse acorde, de origem bossa nova recente, te ter sido revelado. E, enquanto a linha corria como fluxo subjacente, o título revelava no tema a origem.

Fazia sentido? O tempo te deixou em aberto a questão. Sempre deixa. A Canção do Exílio Sem Palavras, que foi estreada em 1991, pela pianista Terão Chebl, no Teatro Municipal Brás Cubas, não respondeu toda a questão. Ficou ali como uma entre as muitas interrogações sobre origens e destinos. Como destino, te levou em curto prazo ao ciclo das Duas Vezes Três Canções Fora de Tom. E como origem a outro tom, em intervalo bem mais remoto, além de Do: Tom Chopim.

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