Não é sempre que tu vem aqui, ao Museu de Imagens e de Sombras. Só mesmo quando o teu ofício, eterno aprendizado, ou tua transiência, eterna incompletude, requer essa espécie de retorno à fonte, que sempre começa pela reescrita dos versos na areia do saguão. E já não há mais como ler o poema inteiro sem o escrever por completo. Porque perdura apenas até o momento em que a última palavra é traçada no chão. Logo em seguida, os grãos de areia se dissolvem, e a poesia volta ao estado original da inspiração, à latência eterna. Então, com serenidade, desenhando cada letra, tu é mais um que recompõe a mensagem cuja autoria é atribuída ao Anjo do Guarda-Livros. E, mais uma vez, tu escreve:
Por volta do ano mil,
Guido, em Arezzo,
ouve, no Hino a São João,
de um distante diácono Paulo,
seis séculos antes,
as seis primeiras notas da escala natural.
A elas, soma uma sétima, que não estava lá. Ou além de LA.
Por volta do ano dois mil, tu ouve nos seis canais de Santos,
as seis primeiras notas da escala.
E um sétimo canal,
que chega à baía
sem beirar a orla, sem cruzar a arena. Fora de SI. Então, tu sente a melodia das ondas na praia, do calor e da luz dos astros, dos rastros na areia.
Então, tu é como eco de um som milenar, ecoando, escoando por sete canais
os cantos correntes de teus contos e contas.
Mal o cajado fecha a última letra e o ponto final, a areia começa a se movimentar, deslocando-se como que ao acaso, sem qualquer ordem ou sequência previsível, e em poucos segundos a escrita se desfaz. Mas o seu efeito já se faz sentir, e te dá forças para adentrar as galerias do Museu e te prepara para outro trânsito entre as camadas que se espalham por todo o território da Costa Mater.
E, no percurso, tu ouvirá, ou virá a perceber, nas comportas dos canais, os ecos de modos musicais ancestrais, em conjunção de intervalos harmônicos que vibram na distância das sedes da realidade. E tu verá o desdobrar de um acróstico de Guido d´Arezzo projetar-se como resto zero de uma prova dos novesforasobras.
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