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O Jogo da Velha Vila


Especular, apenas. Não incluir, ainda. Muito menos, concluir. Considerar, sabe? Juntar pontas de estrelas. Desidério. Desejo de saber.


Sem saber bem o que fazer, falar, Nihil observa. Ouve, apenas. E observa. Nunca vira Audite tão inquieta. Café?


Ela chegara há cerca de meia hora. Sentou, abriu a pasta apoiada num pequeno espaço vago do banco. Remexeu, procurou, retirou uma caderneta, abriu, consultou, rabiscou alguma coisa aqui e ali. Parou e ficou um bom tempo olhando lá para fora, além da vidraça, o movimento da rua, as pessoas, os carros. Talvez, não. Olhar sem ver, sem enxergar. Olhar vazio de pensamento longe. Voltou-se para dentro da cafeteria. E ficou mais outro bom tempo em silêncio. Até que, depois de um suspiro fundo, falou:


Especular, apenas. Não incluir, ainda. Muito menos, concluir. Considerar, sabe? Juntar pontas de estrela. Desidério. Desejo de...


Ei, você já falou isso,faz meia hora!


Ela silenciou, o olhar ainda parado.


Café? Ou chá?


Nihil estendeu a mão até o canto da mesa, apanhou um guardanapo e com sua caneta tracejou duas linhas verticais e duas horizontais, cruzando-as entre si.


- Sabe o que é isso, não? perguntou a Audite.

- Sim, o jogo da velha.

- Sabe jogar?

- Sim, é muito simples. E muito limitado.

- O e X.

- Você começa.

- Tudo bem.


Fizeram uma rápida partida. Empate.


- Não há como perder. Só por distração...

- Ou lance ilógico.

- Ou outra lógica.

Audite franziu o cenho. Ironizou.

- Sei... tipo lógica paraconsistente... imaginária...

- Não sei, talvez... ainda preciso investigar melhor, creio... aliás, foi por isso que liguei. Queria conversar, contar o que descobri, expor algumas dúvidas...

- Sobre o jogo da velha?

- Sobre o que parece ser um jogo da velha. Mas que talvez seja outro tipo de jogo...


Sem esperar por qualquer reação de Audite, Nihil estendeu de novo a mão até o canto da mesa e apanhou outro guardanapo. Traçou o mesmo desenho. Mas, em vez de preenchê-lo com O e X, assinalou nove sinais diferentes, uma espécie de sequência numeral cardinal, indo de zero a sete, e finalizando com N.


Acho que já vi isso na alfaiataria. Não na loja, onde tem o mostruário e o balcão de atendimento. Acho que vi no compartimento traseiro, onde tem a bancada, e o alfaiate tira também as medidas, faz as provas dos cortes.

Audite deteve a fala, e o pensamento parece que ensaiava uma fala, buscando o amparo de um momento da memória.


Sim, e acho que estava inserido num mapa da cidade.



Sim, com uma espécie de espiral sobreposta aos números.


Certo. Não dá pra saber se o movimento da espiral é do zero para o N, ou vice-versa.


Audite deteve mais um pouco o pensamento, como se tentasse lembrar da figura com mais detalhes.


O desenho desse jogo da velha não está sobre uma área demarcada? Assim... sobreposto a essa área de modo que não dá para ver os nomes das ruas?


Isso mesmo. Uma área, um formato fechado, de cinco lados.


Nihil puxou do bolso do casaco um papel dobrado. Abriu e estendeu sobre a mesa.


Agora, veja isto. Achei um desenho semelhante, só que o traçado do jogo da velha está vazado e sem os números. E dá pra ver o lugar. Aqui, veja só...



É a área central do bairro da Vila Belmiro.


Estádio do Santos? Do time de futebol?


Sim. Com isso, e prestando atenção em algumas conversas lá na alfaiataria, comecei a juntar algumas peças... estão faltando alguns encaixes, acho...


Nihil ficou alguns segundos mudo.


Quer ouvir? perguntou a Audite.


Continue...


Certo. Mas, como já disse, algumas peças não se encaixam totalmente. E não consigo concatenar todas as peças numa sequência lógica. Pode ser que alguns trechos do percurso pareçam não ter vínculos causais... E estou pensando em começar por outra pista que detectei recentemente, uma variação do mesmo desenho do jogo da velha.


Sem problema. Aceito os riscos... Contando: N, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, 0.


Vou tentar minimizar os riscos. Aliás, é o que parece estar em jogo, nesse jogo da velha. Vou começar pelo sumário. A súmula do jogo da velha vila.






Então, tu é da Vila? Noel também. Mas, tenho que dizer, modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila. De outra vila, cujo nome rimava com o dele. Noel, Isabel. E o Martinho, que traz a vila no próprio nome. Topônimo que vira nome próprio. Como, de comum, nos tempos ancestrais da Provença e de outras cercanias..



É coisa antiga isso bem antiga. Ou tu prefere com vírgula: é coisa antiga isso, bem antiga? Aí tu poderia dizer: eu sou, da Vila. Como aquele outro, chamado o Grande Outro, que se chamou eu sou. .



Eu sou de Santos.












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