Primeiro contato de Audite Nova com o Alfaiate.
Muitos bons dias, senhorita, em que podemos ajudá-la?
Nova? Desculpe-me, acho que não entendi direito seu nome.
Audite Nova? Bem peculiar! Mas em que lhe posso ser útil? Estou curioso, pois há cerca de meia hora, junto a este balcão, acompanho o movimento da rua pela porta, e notei que esteve quase todo o tempo a olhar para cá, da calçada do outro lado da rua, sentada a um banco da praça.
Foi só uma observação, não há porque se desculpar.
Nosso guarda-livros? Posso lhe fornecer o endereço dele. Se calhar, talvez o encontre ainda hoje. Ficou de passar por aqui a pegar alguns papéis.
Ora, pois, então não se trata de falar com ele? Deixa-me intrigado.
E quer falar comigo? Sobre mim? Fico mais intrigado ainda!
Não, não vejo qualquer problema em ajudar. Mas certamente gostaria de saber do que se trata, o que motiva ou ordena o seu interesse. Penso, a princípio, que busca informações sobre o ofício do guarda-livros, dos serviços profissionais que me presta.
Não é assim? Talvez um procedimento fiscal...
Estou mais perplexo ainda. Quer então saber do meu próprio ofício, da minha história? De como me tornei alfaiate e cheguei a montar este negócio em Santos?
É uma longa história. Começa em Portugal, no final do terceiro quartel do Século 19, com um inseto, o filoxera. Conhece a história?
Não? Então isso vai tomar um tempinho. Acho melhor nos sentarmos. Aceita um cafezinho?
Ó Aprendiz, por favor, prepara aí um café, e traz também alguns biscoitos para acompanhar. Obrigado.
Por favor, sente-se, enquanto aguardamos. Permita-me, vou tirar o paletó. A estas horas do dia, o tempo já fica bem quente. Mas, enquanto aguardamos o café, por que não me conta um pouco de sua história? Talvez evite que eu me perca em detalhes dispensáveis, poupando-lhe de uma escuta enfadonha.
Sei, sei.. Hum... Se bem entendi, a senhorinha faz parte de uma organização chamada Auditorium, especializada em investigações atuariais. Documentos fiscais, livros contábeis, balanços...
Ah!... Compreendo. Mas, como chegaram ao interesse pelo meu guarda-livros e por mim?
E esse baú, o que tinha de tão importante a ponto de a destacarem para vir ter aqui comigo?
Queira me desculpar, não tive intenção de ser indelicado. Mas, que outra reação poderia ter ante tal informação? Certo que é perturbador saber, de repente, que existem relatos de ligações pessoais entre nós. E feitos por quem? Um anjo? Poderia ficar indignado, talvez. Ou perplexo. O fato é que me parece tão descabida a situação que se torna hilariante. Um anjo que anda a escrever sobre mim!
Ora bem, que já chegou o cafezinho. Posso lhe servir? Gosta com pouco ou muito açúcar? Aceita um pãozinho?
Desculpe, desandei novamente a rir, que quase me engasguei. Deixa-me apanhar o guarda-napos, que já me recomponho.
Pronto, prometo que não me ponho mais a gargalhar, que já estou deveras envergonhado.
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