Extrato em que as estratégias de dissimulação praticadas pelos integrantes do Engenho apresentam semelhanças com procedimentos utilizados por integrantes de movimentos políticos clandestinos.
Aqui, os vínculos são com as situações vividas por simpatizantes de causas sociais, religiosas. E políticas, principalmente. Mais especificamente com afiliados ao clandestino partido comunista em meados do século XX, na cidade de Santos.
A trama tem sua estrutura derivada de uma pequena novela escrita pelo compositor Gilberto Mendes e, em função disso, faz parte da Constelação GILBERTO MENDES E OS CLUBES DE CINEMA E DE ARTE DE SANTOS.
1) OS DOIS MENINOS... (Nomes de Guerra)
Na defesa, eram Urubatão, Formiga, Ramiro, Manga, Hélvio e Zito. No ataque, Pagão, Negri, Álvaro, Vasconcellos e Del Vecchio.
Em meados dos anos 50, antes da chegada de Pelé ao Santos Futebol Clube, essa era uma das formações predominantes da equipe, com alguns revezamentos do pessoal e de suas posições em campo.
O atacante Álvaro, por exemplo, começou jogando na defesa, como seu irmão, o zagueiro Ramiro. Tempos depois, percebendo que o jogador se adaptava em várias posições, o técnico Lula o escalou para o ataque, na posição de centroavante.
Os dois amigos, o músico e o pintor, refletiam sobre tais questões despretensiosas, simples curiosidade, enquanto se encaminhavam para o antigo bairro dos operários, então já denominado Vila Belmiro. Na verdade, não tinham qualquer interesse especial pelo esporte, muito menos eram entusiastas ou torcedores do clube sediado na vila Belmiro.
Mas, ao longo do percurso e diante do insólito teor da conversa, passaram logo a especulações lúdicas em torno do assunto da estranha tertúlia ambulante. Começaram pela recuperação dos tempos de infância, dos jogos de bola nas ruas ainda não asfaltadas, nem mesmo cobertas de paralelepípedos, o escaldante areão dos meses de verão. Viraram meninos. Jogando futebol de rua, as "peladas", como se dizia. Meninos da Vila. Sim, sentiam-se, eram os meninos da Vila. Os primordiais meninos da Vila. Daí para brincar com os nomes dos atletas foi um lance imediato. Sou atacante, sou o Pagão. E eu sou da defesa, sou o Zito.
Na sequência, as crianças descarregaram um reluzente lampejo na imaginação dos adultos. E se... consideraram, de repente... e se adotassem nomes de jogadores, que em muitos casos eram apelidos, como "nomes de guerra", costume usual no meio político para disfarçar vinculações partidárias clandestinas? Não seria uma boa estratégia? Um disfarce simpático, razoável, viável, aceitável?
Veja, poderíamos até falar do partido fingindo comentar um jogo. Você viu o Santos versus Corinthians? Que partidão! (Por que não que jogão?). Aquele lance do passe que o Zito mandou lá na frente para o Pagão! Uma jogada incrível, que foi bem aproveitada pelo Tite. Esse trio (por que não essa célula?) está fazendo um ótimo trabalho. Eles se entrosam muito bem entre si. E estão contagiando toda a equipe. Todos com muita vontade de conseguir um bom resultado.
A conversa havia começado ainda lá dentro do bonde 42, enquanto percorria a Avenida Ana Costa no sentido praia-centro. Deram uma pausa no assunto assim que desceram do bonde, no ponto do cruzamento com a Rua Carvalho de Mendonça. O ponto seguinte até encurtaria o trajeto que fariam a pé, pela Rua Joaquim Távora em direção ao canal 2. Mas, propositalmente, desceram ali porque queriam apreciar com vagar o abrigo construído para poupar da chuva os passageiros à espera do transporte. Era uma espécie de marquise, instalada na ilha entre as duas pistas da avenida. Muito bonita, achavam, mas que só podiam observar ligeiramente, na passagem ou breve parada do bonde para embarque e desembarque. Então, aproveitaram a ocasião para admirar a obra com maior detalhe.
Satisfeitos, iniciaram a caminhada, retomando a animada conversa. Uma nova interrupção se deu quando passaram em frente à entrada do necrotério, nos fundos do Hospital da Beneficência Portuguesa. Estava saindo um cortejo fúnebre naquele momento, e ambos aguardaram na calçada oposta, até que o último carro passasse.
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