Gil Nuno Vaz
Karaokê, tetê, karatê
(publicado no jornal A Tribuna de Santos de 28/11/1985)
Finalíssima do V Festival Aberto de Música Popular – Feamp – recentemente realizado no Guarujá. em lugar do tradicional show para entreter a platéia enquanto são contadas as notas do júri, a organização do festival esquenta o ambiente, envolvendo o público estudantil do Teatro Procópio Ferreira num agitado e movimentado karaokê, a versão jantrar-dançante dos programas de calouros das emissoras de rádio de ontem e de TV de hoje.
O V Feamp teve sete finalistas, medida exata para o porte da promoção. Os promotres de outros festivais deveriam refletir um pouco sobre isso. Equilibrar quantidade e qualidade é bom, de vez em quando. Para que eliminatórias, semifinais e finalísima, e todo o esquemão que foi montado no Festival dos Festivais, para o nível geral tão desinteressante?
A propósito, os autores de Tempos Verdejantes, canção vencedora do V Feamp, chegaram a inscrevê-la (dizem) no Festival dos Festivais.
Pena que a Globo não tenha estado presente ao V Feamp. Não pela canção vencedora. Pelo karaokê, oportuna e atualíssima metalinguagem do evento Festival.
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O Festival dos Festivais até que se saiu com uma solução inteligente, estratégica, econômica. na realidade, não havia outra alternativa a não ser mostrar a música idem, promovê-la, adaptando-a ligeiramente ao padrão global, é claro.
Língua de Trapo, Tarancón, Cida Moreira, Eduardo Gudin (de certa forma), Tetê Espíndola. Vislumbrada uma possível popularidade, nada melhor do que aproveitá-los já em ponto de bala, sem precisar investir na pré-fabricação do ídolo. Muito mais fácil, cômodo e rentável recorrer aos músicos independentes, calouros do mercado fonográfico, costumados à batalha com base em recursos próprios. Karaokê da indústria cultural.
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Tetê, por exemplo. Até pouco tempo, era apenas uma cantora excêntrica, fazendo careta, emitindo grunhidos e gritos em músicas estranhas que falavam de animais, pássaros e lugares selvagens. Enquanto mostrava o seu trabalho em produções independentes, não passava disso.
Em 81, ao interpretar Londrina, de Arrigo Barnabé, no Festival da Globo, o público não conseguiu assimilar sua voz aguda, que parecia flora de esquadro numa valsa que também não era nada quadrada. E tome vaia.
Bastou excaixar a voz numa canção de fácil aceitaçào popular (com uma letra menor do excelente Carlos Rennó), transar um visual de bolero mexicano estilizado e a conversa é outra: até as crianças cantam Escrito nas Estrelas, imitando o jogo de ombros da nova estrela. E a Globo não deixa escapar o emocionante contraste da vaia e do aplauso, na rede do Fantástico, da TV Mulher, do Globo de Ouro.
Logo, logo, aparece alguém que vai chamá-la de Pimentinha dos Pântanos, ou de coisa assim, sugerindo que está aí a sucessora de Elis, a Pimentinha dos Pampas.
Marketing na frente, estrutura de produção por trás, questão de criar imagem, de impor padrões, de fazer cabeças.
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O mérito é indiscutível, lógico. Mas tudo isso veio a propósito, na verdade, de um encontro (circunstancial?) com Maurice Legeard na saída do cinema, depois de hora e meia das acelerações e câmaras lentas de Koyaaniskatsi.
“Já vi um bocado de curta-metragens sobre o tema, e coisa muito melhor até”, observa ele, “mas que ninguém deu bola. Aí vem o americano, dá um tratamento todo especial ao assunto, faz um oba-oba danado e fatura em cima”.
Golpe de mestre, Maurice. O que seria do Kung-Fu sem o Bruce Lee? O exotismo do caratê talvez, quebrando ao meio a pilha de tijolos. Ou o mesmo que gilvaz.
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