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Conversa no Café


Quando vinha fazer alguma movimentação bancária, geralmente depósito em conta corrente na Caixa, o Alfaiate gostava de tomar um cafezinho no Carioca. Às vezes sozinho, outras junto com algum patrício da comunidade lusa. Passava alguns minutos encostado ao balcão e, enquanto saboreava a bebida, jogava conversa fora, ou simplesmente ficava a olhar o movimento na Praça Mauá. Considerava isso uma pausa merecida ao trabalho de medir, cortar e ajeitar os tecidos no seu estabelecimento, lá para os lados de outra praça, a dos Andradas.

Naquele dia, entretanto, o ritual não seguiu os procedimentos de sempre. No começo, sim. No banco, havia sido atendido pelo mesmo funcionário que já o atendera muitas vezes. A mudança do rito se deu quando se dirigiu ao café. Ele fora sem companhia, e decidiu ir à banca de jornais, antes do cafezinho. Passou direto pelo Carioca, atravessou a rua e ficou na praça um bom tempo, lendo as manchetes do dia, observando as novas edições das revistas semanais. Demorou-se assim mais do que o comum. Quando veio ao Carioca, o balcão estava lotado. Para achar um espaço onde pudesse pedir um café, contornou todo o balcão. Foi quando deparou com o mesmo funcionário da Caixa que o atendera, sentado a uma mesa próxima. - Não quer se sentar?, convidou o bancário. - Parece que não vai ser fácil achar um espaço no balcão. Agradeceu, puxando uma das cadeiras vagas da mesa. - Vou aceitar o convite, sim, obrigado. Ajeitou-se e fez um gesto para o garçom que passava. - Vou querer um cafezinho pequeno, e um pão na chapa, ordenou. - E o amigo, o que vai beber ou comer? - Já fiz o meu pedido, obrigado. Aliás, já está vindo aí. O garçom aproximou-se com uma xícara de café e torradas. O bancário agradeceu, e imediatamente bebeu um rápido gole. - Ainda está bem quente. Quer provar a torrada? Não são tão saborosas como as torradas de Petrópolis, da Confeitaria Colombo, que comi certa vez no Rio de Janeiro. Mas são bem gostosas. - Não, obrigado. Bom proveito. E aproveito para fazer outro agradecimento. Ante o olhar surpreso do bancário, o Alfaiate ajuntou: - É que venho sendo atendido pelo senhor já há vários anos, sempre muito amável e prestativo, e, na premência da fila, nunca tive uma oportunidade como esta de lhe agradecer pela forma digna com que me tem atendido, e a todo o público. - Com tal elogio, ainda vou ganhar o prêmio de funcionário padrão, brincou o bancário. Depois, sério: - É um prazer atendê-lo. Por outro lado, é minha obrigação. Não haveria nem por que me agradecer. Mas aprecio as suas palavras. Obrigado. - Bem, mesmo que se lembre de meu nome, de tanto que já me atendeu, permita-me que me apresente: José Vaz, alfaiate. - De fato, são tantos os correntistas que não consigo memorizar todos. Muito prazer e desculpe-me. Meu nome é Ambrósio. Ambrósio Garcia. - Mas vejo que se dedica a outros afazeres, além da profissão de bancário, emendou o Alfaiate, apontando discretamente para um maço de papéis a um canto da mesa. Uma das páginas, ligeiramente desalinhada das demais, exibia o desenho de um pentagrama musical, com alguns rabiscos a lápis. - Ah, isso aqui?, retrucou Ambrósio, notando a pequena evidência. - Sem dúvida, concordou, sou bancário de ofício, mas tenho um interesse muito especial por música. O amigo também? - Na verdade, sim. Tenho me aventurado como músico, mas não profissionalmente, ressalvou. Participo de um grupo musical aqui na cidade, e faço parte do naipe de violinos. E o senhor, toca algum instrumento? É cantor?… A pergunta saiu instintiva, pura curiosidade.

- Na verdade, não. Bem, até que gostaria de ter sido pianista, concertista. Mas isso exigiria um tempo e recursos de que nunca dispus. Então, o meu interesse especial por música ficou concentrado em composição. Gosto de criar e escrever músicas. Faz isso também, ou é só intérprete? - Só toco. Mesmo assim, muito pouco e mal. É mais um gosto pessoal. Mas, confesso, venho rabiscando alguns versos, com intenção de fazer uma canção. Um fado, sabe? Não sei se gosta do gênero. Mas, como todo português, quando bate a saudade da terrinha, parece que ouvimos lá no fundo o trinado de uma guitarra... E aí brota uma vontade imensa de cantar o sentimento. Emitiu um longo suspiro, e engatou nova pergunta: - Que tipo de música compõe? De certo, não é fado. Ambrósio puxou a página, da qual uma ponta quebrava o alinhamento do bloco de papéis, e mostrou a partitura para o Alfaiate. - É a minha primeira composição. O Prelúdio 1, para piano solo. Já faz dez anos que escrevi. - E o que faz com ela, tanto tempo depois? Vejo que a partitura tem anotações. Está mudando alguma coisa? Ambrósio se deteve a olhar um pouco a partitura. - Na verdade, estou pensando em fazer uma transcrição. - Para outro instrumento? - Para voz. Ou melhor, para vozes. Para um coro misto a quatro vozes. A cappella, sem instrumentos. - E como teve essa ideia? Ambrósio se quedou pensativo por instantes, antes de responder: - O fato é que ontem tive um sonho estranho. Estava num concerto, e era a estreia desta peça. Ao final, um jovem se aproximou de mim, me cumprimentou e comentou, assim de passagem, que, ao invés de ouvir o piano, tivera a impressão de que ouvira a peça cantada por um coral. Não conseguira entender a letra, mas seguramente eram vozes cantando.

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