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Coisas do mundo, na semiótica de minha nega



É uma espécie de curso, dizem. Mas nos cartazes, tanto na bilheteria do Saguão como na dos Corredores de Cine Inês, não há essa palavra. Falam apenas de uma série de dez encontros sobre os procedimentos e técnicas de monitoria dos transientes.


Ou é sobre os desencontros da monitoria?, gracejou Audite.


Pois é, respondeu Nihil, com o que pareceu um duplo aceno de cumplicidade sobre a possível pertinência da dúvida e do trocadilho. Acho que, até por isso, seria interessante participar dos encontros. Eu pretendo acompanhar. E você?


Audite respondeu que também iria acompanhar. Tem que fazer reserva? Você me inscreve?


Sim, sim. Estão anunciando que será no Salão de Chá, o CaféInês. O espaço é reduzido. Então, é necessário limitar as inscrições, condicionar à capacidade de lotação, no máximo.


Quem vai conduzir os encontros. Uma só pessoa?


Em princípio, parece que é só uma pessoa. Mas não diz se é palestrante, apresentador, moderador ou outra função. O nome que consta nos cartazes é Paulinho da Viela.


Paulinho da Viola?


Não, não falei errado. É Paulinho da Viela, mesmo. A não ser que trocaram letra no cartaz.


Deve ter alguma relação. Pelo menos, o título dos encontros certamente está fazendo referência a uma canção do Paulinho da Viola.


Qual canção? Nihil não era muito ligado, ou melhor, nada ligado à música popular. Se é que fosse ligado a qualquer expressão artística em especial.


Um samba. Coisas do Mundo, Minha Nega.


Ah...


Quando começa?


Daqui a pouco. E, pode ficar tranquila... nossos nomes já estão inscritos.


(?) Audite (!)


Desde ontem.


O Salão de Chá não estava lotado. Meio a meio, cadeira ocupada, cadeira vazia. Deu até para escolher uma mesinha de canto, encomendar dois cafezinhos e duas fatias de bolo e providenciar o seu consumo sem pressa, degustando cada aroma, cada sabor.


Foi o tempo certo de espera para ser anunciado o condutor dos encontros.





Minha nega é que(m) sabe das coisas. Cheguei a essa conclusão na noite - já era alta madrugada - em que voltava para casa, para minha nega, depois de uma roda de samba. Violão sob o braço, passo no caminho por três passagens que me levam a refletir sobre o mundo, sobre a vida.


Paulinho da Viela, canto o samba da mesma experiência vivida pelo meu quase homônimo, o da Viola.


Primeiro, canto a passagem de um que "me falou de doença, que a sorte nunca lhe chega, está sem amor e sem dinheiro, perguntou se eu não dispunha de algum que pudesse dar".


Depois, canto a passagem de outro "que bebeu a noite inteira, estirou-se na calçada sem ter vontade qualquer, esqueceu do compromisso que assumiu com a mulher, não chegar de madrugada, e não beber mais cachaça", diz que "ela fez até promessa, pagou e se arrependeu",


Por fim, não canto a terceira passagem, a passagem de um corpo, ou de algo além que lá esteve, que ali estava "iluminado ao redor, disseram que foi bobagem, um queria ser melhor, não foi amor nem dinheiro a causa da discussão, foi apenas um pandeiro que depois ficou no chão".


Sabe o que minha nega me disse? Que eu já estava aprendendo. Que, quando eu fiz aquele samba pro duro, eu já estava aprendendo. Que, quando eu achei melhor não fazer um samba pro morto, eu também estava aprendendo.


Mas, antes disso, quando eu gravei o nome de minha nega na viola, quando eu pensei em fazer um samba “puro de amor, sem melodia ou palavra, pra não perder o valor", eu já estava aprendendo.


E ela me disse que, falando essas coisas para mim, ela também estava aprendendo.


Ela falou ainda que poderia indagar coisas do meu samba, como, por exemplo, os fatos descritos na letra.


Seriam os fatos descritos, o desconsolo do primeiro, a bebedeira do segundo ou a morte do terceiro? E tudo o que entra nessas passagens? Na primeira estrofe, há uma boca, existem palavras, um peito, o remorso, mãos, viola, o nome da nega, a gravação. Há o cantor que vem. Existem coisas e coisas no mundo. As coisas físicas, como a viola, o dinheiro. As coisas imateriais, como o amor. As coisas imaginárias, como o samba que não foi feito, pois ninguém compreenderia.


Enfim, que coisas são essas, as coisas do mundo? "Coisas são tanto uma mesa, uma pedra, um galho, uma núvem, um pedaço de céu, uma estrela, uma pessoa etc, quanto a alegria, a tristeza, a melancolia, o amor...", ela cita o filósofo Iulo Brandão, de quem ouvira falar em remotos tempos, para quem "... a coisa é uma unidade real entre um estrato inteligível e um estrato empírico, ambos, por isso mesmo, co-relatos e co-presentes em todos os seres (1968:81).



- Sistemas concretos e sistemas conceituais (Bunge)


- Ele considera a palavra "sistema" filosoficamente mais neutra que "coisa"- assim, podemos dizer que um campo de forças é um sistema, mas já é mais difícil considerá-lo uma coisa. (Jorge de Albuquerque Vieira 1994:19)


Direção A



Direção B
















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