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Clube do Choro de Santos


Marca do Clube do Choro de Santos, criada por Márcia Okida, e registro fotográfico dos fundadores do clube em frente à Bolsa Oficial do Café, em 2002.

"O que é o choro? O que é o chorinho?"




Nas várias vezes em que participei de painéis e debates sobre o choro, quase sempre a convite ou por indicação de Marcello Laranja, presidente do Clube do Choro de Santos, e geralmente perante público de estudantes, essa era a primeira questão que moderadores ou entrevistadores apresentavam.


Dessa peculiar recorrência, que sempre procurei enfrentar situando o choro a partir de um campo artístico mais amplo do que o conceito de gênero musical, acabei ao longo dos anos extraindo uma percepção bastante pessoal da minha peculiar relação com o Clube do Choro de Santos.




Peculiar porque, apesar de conviver em casa desde criança com o som e a figura de um bandolim que meu pai vez por outra teimava em praticar, e de ouvir com gosto os choros que me chegavam na infância pela audição de programas de rádio, nunca tive uma aproximação estreita com músicos e núcleos que cultivavam o gênero, na época assim fortemente caracterizado.


A visão do choro numa abrangência de campo artístico só viria a ganhar projeção mais de duas décadas depois, época em que eu começara a escrever críticas sobre música, especialmente a emergente produção independente dos anos 80. Nesse contexto, o recente movimento do novo choro me despertou atenção justamente por extrapolar o campo de gênero musical ao qual o choro (chorinho) estava fortemente atrelado. A ponto de extrapolar minhas reflexões sobre essa realidade do choro para além da abordagem crítica, para a criação musical, escrevendo uma peça coral - Chorus (Bis) - pela junção de citações de Pixinguinha e Índio (Página de Dor) com Villa-Lobos (Choros n. 10).


Peculiar também pelo fato de ter sido convidado a integrar o grupo de músicos e entusiastas do choro, no propósito da criação do Clube do Choro de Santos, em 2002. O convite, feito por Luiz Pires, não se deu dentro do ambiente artístico dos chorões, uma vez que, apesar do histórico da minha relação pessoal com o choro, o contato com círculos de prática do choro sempre foi, no máximo, ocasional, e de hábito na posição de observador, plateia.


Aceitei o convite, mas devido à minha mudança para Curitiba, em 2003, logo após a fundação do clube, não pude assumir as funções que me caberiam desenvolver na primeira gestão diretora. E, ao retornar a Santos, outros fatores dificultaram uma colaboração formal com o clube. O que não me impediu de participar em vários eventos acadêmicos junto com Marcello Laranja.


E volto, assim, à percepção pessoal da minha peculiar relação com o Clube do Choro de Santos, que extraí da recorrente abertura dos debates sobre o choro, sempre colocando como questão inaugural "o que é o choro, o que é o chorinho". E evoco para tanto as palavras de Pixinguinha, em depoimento já nos anos finais de vida, falando de seu temor pelo fato de Carinhoso ter apenas duas partes, o que não seria aceito pelos seus pares:


Naquele tempo ninguém admitia, o pessoal nosso, da música, não admitia choro assim com duas partes, tinha que ser três partes. Então, eu fiz o Carinhoso, e encostei. Eu não tocava, eu não executava, não, porque aquilo, Deus me livre, tocar o Carinhoso naquele meio, ninguém aceitava. Então eu encostei, deixei pra lá.


O temor de Pixinguinha tinha a ver, mais do que com a reação de seus pares, com a submissão cultural ao padrão convencional do choro clássico, cuja base era a forma rondó, alternando três partes. O que não impediu que Carinhoso viesse a público e se constituísse como um choro referencial da música popular brasileira, quebrando o cânone da forma tripartite e, ao ganhar letra de Braguinha (João de Barro), do âmbito puramente instrumental no qual tem suas raízes.


Sinto, assim, minha relação pessoal com o Clube do Choro de Santos como o trio conceitual do choro. A terceira parte que está lá, em suas origens. Mas que logo sai de cena, como ilustra a ausência em imagem fotográfica histórica dos fundadores do clube.


Mas que, quase de imediato, passou a caminhar ao lado, num fluxo lateral imaginário, sem indicador topográfico. Numa andança paralela que me faz lembrar, talvez, da terceira margem do rio, de Guimarães Rosa, em que o pensamento segue na busca de horizontes utópicos cada vez mais distantes, onde o trio persiste no espaço-tempo da memória, mas liberto de amarras conceituais.



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