CANCRIZANS
- Cantos Correntes
- 25 de jan. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 6 de abr.

Título de concerto musical temático apresentado pelo Madrigal Ars Viva, Cancrizans é um termo que pode ser associado ao sentido (zans) em que se move o caranguejo (cancri), mediante articulação ocorrida provavelmente no medievo francês, a partir do latim e, remotamente, do grego.
Embora equivocada a percepção original sobre o sentido efetivo em que o caranguejo se desloca, o termo Cancrizans foi adotado para designar o movimento retrógrado em música.
Inicialmente o conceito de movimento retrógrado aplicava-se no sentido horizontal da partitura, como se ao final de uma melodia houvesse um espelho, que mostraria a mesma melodia de trás para a frente. Assim, cantar uma melodia da primeira à ultima nota e, a partir desse ponto, o cantor voltar, nota por nota, na direção inversa, até a primeira nota.
Posteriormente, o processo veio a ser aplicado no sentido vertical da partitura: cantar a melodia original e, em seguida, cantá-la de novo invertendo a direção dos intervalos a partir da primeira nota. Ou seja, cantar subindo o intervalo quando a melodia original descia, e descendo quando a original subia. Cantar a melodia de ponta-cabeça, como se houvesse um espelho horizontal na linha da primeira nota. Esse processo passou a ser denominado "movimento invertido".
Como decorrência desse uso adicional, mais adiante deu-se a fusão dos dois processos, resultando no "movimento invertido retrógrado", a aplicação do primeiro ao segundo. Ou seja, ao final da melodia invertida, aplicar o processo do movimento retrógrado.
Na técnica dodecafônica criada pela Escola de Viena, idealizada por Arnold Schoenberg, a utilização sistemática das quatro possibilidades melódicas geradas por esse processo foi um dos fundamentos básicos dos discursos dodecafônico e serial.
A IDEALIZAÇÃO DO CONCERTO
Tomando como ponto de partida a técnica musical do Cancrizans, a ideia do programa foi ampliar os conceitos implícitos no termo Cancrizans, aplicando-os a uma retrospectiva histórica da música ocidental, com a música vocal e coral no centro das referências.
Na ampliação dos conceitos as principais questões consideradas eram os tipos possíveis de espelhos e as potenciais variações de nitidez dos reflexos, desde a projeção de silhuetas, reflexões móveis em superfícies aquáticas, distorções angulares ou irregularidades de materiais refletores, até imagens de alta definição reproduzidas por espelhos de alta qualidade. Como abordar musicalmente esse universo de formas que estariam unidas por um mesmo laço de semelhança mas em níveis variados de diferenciação?
A solução foi estruturar o programa em duas partes, em que a segunda espelharia a primeira parte, mostrando esses graus variados de distorções. E, como a prática dos processos musicais de Cancrizans, apesar de muito praticados no período barroco, vinha sendo forte característica da música do século XX, tomou-se como ponto de partida a atualidade e o distanciamento no tempo como o ponto de perspectiva para a exibição das distorções como efeito de variações. Assim, a primeira parte foi denominada VOLTA AO PASSADO (retrocedendo da atualidade ao Século I D.C.) e VOLTA DO PASSADO (o retorno cronológico inverso).
A escolha dos títulos das partes, trocando-se apenas uma letra, teve a intenção de introduzir ali uma pequena alteração, quase imperceptível a uma leitura superficial, para caracterizar o espírito da proposta. Como curiosidade, vale lembrar que até o compositor Gilberto Mendes caiu na armadilha. Quando viu o programa, comentou que as duas partes tinham o mesmo título...


A MONTAGEM DO PROGRAMA: O REPERTÓRIO
De acordo com a estrutura previamente definida, o repertório do programa deveria conter composições que, em duplas, cada qual numa das duas partes do programa e em momentos correspondentes, apresentassem algum tipo de relação com os conceitos associados à técnica do Cancrizans.
O relato a seguir indica a disposição das obras nas duas partes do programa e comenta as relações.
Volta ao Passado - n. 01 - LUZ MEDITERRÂNEA (parte I) Gil Nuno Vaz
Volta do Passado - n. 13 - LUZ MEDITERRÂNEA (parte II) Gil Nuno Vaz
Volta ao Passado - n. 02 - FLAUTATUALF (parte I) Jorge Antunes
Volta do Passado - n. 12 - FLAUTATUALF (parte II) Jorge Antunes
Volta ao Passado - n. 03 - VYVYAM A CARTESIANA (parte I) Willy Corrêa de Oliveira
Volta do Passado - n. 11 - VYVYAM A CARTESIANA (parte II) Willy Corrêa de Oliveira
Volta ao Passado - n. 04 - INSTRUÇÃO 61 (ir com sim) L. C. Vinholes
Volta do Passado - n. 10 - INSTRUÇÃO 61 (vir sem não) L. C. Vinholes
Volta ao Passado - n. 05 - AUFLOESUNG (EYN DOPPELT SPIEGEL) Arnold Schoenberg
Volta do Passado - n. 09 - EYN DOPPELT SPIEGEL (AUFLOESUNG) Arnold Schoenberg
Volta ao Passado - n. 06 - RICERCARE DOPO IL CREDO (GLORIA) Girolamo Frescobaldi
Volta do Passado - n. 08 - RICERCARE DOPO IL CREDO (HOSANNA) Girolamo Frescobaldi
Volta ao Passado - n. 07 - OLA! O CHE BON ECCHO! Orlando Di Lasso
Volta do Passado - n. 07 - HOLLAH! WELCH GUTTES ECCHO! Orlando Di Lasso
Volta ao Passado - n. 08 - VOBIS DATUM EST (Maior) Costanzo Porta
Volta do Passado - n. 06 - VOBIS DATUM EST (menor) Costanzo Porta
Volta ao Passado - n. 09 - PARS MEA DOMINUS (menor) Giovanni Pierluigi da Palestrina
Volta do Passado - n. 05 - PARS MEA DOMINUS (Maior) Giovanni Pierluigi da Palestrina
Volta ao Passado - n. 10 - MISSA SINE NOMINE (Kyrie I) Jacob Obrecht
Volta do Passado - n. 04 - MISSA SINE NOMINE (Agnus Dei II) Jacob Obrecht
Volta ao Passado - n. 11 - MA FIN EST MON COMMENCEMENT Guillaume de Machaut
Volta do Passado - n. 03 - MON COMMENCEMENT EST MA FIN Guillaume de Machaut
Volta ao Passado - n. 12 - CANDIDA VIRGINITAS / FLOS FILIUS Anônimo (Notre Dame)
Volta do Passado - n. 02 - QUANT REVIENT / L´AUTRE JOR / FLOS FILIUS Anônimo (Notre Dame)
Volta ao Passado - n. 13 - EPITÁFIO DE SEIKILOS Anônimo
Volta do Passado - n. 01 - HOSANNA GREGORIANO Anônimo
A MONTAGEM DO PROGRAMA: A CENA
De acordo com a e
A REALIZAÇÃO DO CONCERTO
MASP (1979)
TEATRO BRAZ CUBAS (1980)
Projeção de textos intermediários
Apresentações
A ELABORAÇÃO DO CARTAZ

Esquerda para direita:
Em pé - Raul Roberto Soares Garcia e Ângela Cunha Radecki
Sentados nos bancos - Maria Judith Mendonça Franco e Ângelo Gamba
Sentados no piso - Hercílio Gonçalves de Oliveira Filho e Hersília de Araújo Duarte.
Produção da imagem (montagem de stand e fotografia):
José Daniel Soares Bernardo
Paulo Gavioli
Set da sessão fotográfica:
Salão Le Caveau (Aliança Francesa de Santos)
Rua Rio Grande do Norte, 98 (Santos)
Montagem do cartaz:
Lísias Donádio Mourão


O REGISTRO DO CONCERTO
ANTECEDENTES DO PROGRAMA
A proposta do programa CANCRIZANS derivou de uma trama poética iniciada por Gil Nuno Vaz em meados dos anos de 1970, que resultaria no livro NO OLVIDO DO TEMPO/NO OUVIDO DO TEMPO, publicado em 1984. O texto em si, bem como o próprio formato do livro, transpunham para a linguagem verbal e a plasticidade gráfica os princípios estruturais do cancrizans, mediante o uso de palíndromos, espelhamentos gráficos e outros recursos.

Na fase inicial de elaboração desse texto, surgiu a ideia de montar um concerto também baseado no conceito de cancrizans.
Esse concerto foi apresentado em 16/12/1977, no auditório do Colégio Stella Maris, em Santos, com o Madrigal Ars Viva, regido pelo Maestro Roberto Martins. Contou com a participação de Lucio Morra, artista plástico e músico italiano, que vivia em Santos na época, e Luís Gustavo Petri, ambos responsáveis por partes de flauta, e Gil Nuno Vaz, no alaúde.
Como repertório, foram escolhidas 16 músicas, oito em cada uma das duas partes em que o programa foi dividido. Com exceção de 4 composições (as duas primeiras e as duas últimas, todas datadas da Idade Média), que eram de autores anônimos, as outras 12 composições eram de 6 compositores, duas obras por compositor. Eram eles Francesco Landini, Juan del Encina, Guillaume Costeley, José Maurício Nunes Garcia, Heitor Villa-Lobos e Roberto Martins.

lógica foi uma consequência origem no começou dois anos antes, Teste Preparação - Stella Maris (1977)
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