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Atualizando D. Pedro I, imperador e músico


Artigo publicado no jornal A Tribuna, de Santos, em 12/09/1994.


Embora não mencionado no texto, o artigo veio a propósito de conversas com o Professor Carlos Eduardo Finochio, ainda cursando a Faculdade de História da Universidade Católica de Santos, na ocasião montando com colegas do curso, e sob sua direção, uma peça teatral ambientada no período monárquico.









ATUALIZANDO D. PEDRO I, IMPERADOR E MÚSICO



Gil Nuno Vaz



D. Pedro I não tocava piano como Paulo Maluf, que exibiu suas habilida­des musicais no Festival de Campos do Jordão, quando era governador de S. Paulo. Nem tocava saxofone como Bill Clinton, que também quis mostrar seus dotes ar­tísticos ao vencer a eleição presidencial dos Estados Unidos. Bem, neste caso nem poderia. Quando o belga Adolphe Sax inventou o instrumento, D. Pedro já estava morto há alguns anos.

D. Pedro tocava clarineta. Além desse que era seu instrumento preferido, tocava flauta, fagote e trombone, entre os sopros. Nas cordas, tinha familiaridade com o violoncelo, rabeca e guitarra. Era um "hábil musicista", para usar as pala­vras de Mário de Andrade. E atuava regularmente em concertos, não apenas para demonstrações públicas. Na verdade, ele também tocava piano, além de cravo. Mas apenas para se acompanhar ao canto.

Mais do que isso, era compositor. O Hino da Independência, com versos de Evaristo da Veiga, é de sua autoria. Figura no hinário nacional por ser de boa qualidade musical, e não por motivos políticos. Na verdade, a sua melodia foi preterida durante o século passado, em favor da música do composi­tor Marcos Portugal, que também havia escrito melodia para aqueles versos. A recuperação oficial do hino de Pedro I foi decidida por uma comissão nomeada por Gustavo Capanema, ministro da Educação no governo de Getúlio Vargas, da qual fazia parte Villa-Lobos. O imperador compôs outros hinos, entre os quais destaca-se o Hino da Carta Constitucional, que foi o hino nacional português até a revolução republicana de 1910.

E escreveu obras de maior fôlego, como a Abertura Independência, peça orquestral que seria o provável início do projeto de uma ópera com libreto em lín­gua portuguesa. Mas foi na música sacra que deixou as suas mais ambiciosas criações: um Te Deum e uma Missa, para solistas, coro e orquestra. Desta, o Credo revela apurado domínio técnico e equilibrado discurso musical, alternando com fluência momentos imponentes, graciosos e líricos.

Não é o caso de considerar o imperador como personagem de relevo na história da música brasileira. Mas, como disse Bruno Kiefer, a in­clusão justifica-se pela significação que teve para o desenvolvimento da produção mu­si­cal erudita no País. Estudando com o Padre José Maurício e com os mestres eu­ropeus Sigismund Neukomm e Marcos Portugal, a extrema dedicação do Impe­ra­dor pela música proporcionou condições propícias para a formação de uma base estável de ensino musical. Francisco Manuel da Silva, um de seus compa­nheiros de es­tudo e futuro autor da música do Hino Nacional Brasileiro, fundaria alguns anos depois o Conservatório de Música que, mudando sucessivamente de estru­tura e denominação, existe até hoje como a Escola de Música do Rio de Ja­neiro.

Daí a sua importância. Daí ser obrigatório citá-lo numa perspectiva social da música brasileira. Serviu como exemplo na época. Um governante com sincera preocupação pela cultura. E pode servir ainda hoje como padrão de referência, como medida da profundidade e consciência do com­promisso social que devem orientar as propostas e pro­gramas de política cultural.


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