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As canções da marginália medieval têm tradução poética


Artigo publicado no jornal A Tribuna, em 09/09/1994.






















AS CANÇÕES DA MARGINÁLIA MEDIEVAL TÊM TRADUÇÃO POÉTICA


Gil Nuno Vaz


Entre os bons lançamentos da Bienal do Livro, realizada no mês passado em São Paulo, está o livro Carmina Burana (Canções de Beuern), da editora Ars Poetica. Edição bilíngüe, com tradução para o português do Professor Maurice van Woensel, da Universidade Federal da Paraíba, traz o texto original de 39 canções da coletânea, a maioria em latim e algumas com trechos em alemão e francês arcaicos.

Traz ainda mais oito canções que não fazem parte do cancioneiro encon­trado na abadia beneditina de Beuern (Beuron), na Baviera, em princípios do Sé­culo XIX. Mas são igualmente representativas da produção dos clérigos vagantes, religiosos que, durante os séculos XI e XII, trocaram o rigor monástico pela vida errante. A denominação "goliardos", com que eram conhecidos, remete à figura de Pedro Abelardo, amante de Heloísa, que ganhou o apelido pejorativo de Go­lias por ter escrito canções românticas na juventude.

Itinerantes, compunham canções que falavam de suas experiências bo­êmias e amorosas, divulgando-as pelas cidades que percorriam e tabernas que frequentavam. As composições revelam os traços da formação eclesiástica, mesclando, na rítmica quase primitiva dos acentos poéticos, melodias que lem­bram o canto gregoriano. Abstraíndo a temática, podem lembrar, pela métrica uniforme e disposição dos versos, o caráter vibrante do Dies Irae, da Missa de Requiem.

Em função de sua postura e do teor das canções, que variavam da crí­tica religiosa a obscenidades regadas a vinho e mulheres, os goliardos foram sendo progressivamente marginalizados, até perderem a condição eclesiástica em fins do século XIII.

A edição da Ars Poetica contém várias informações históricas e técnicas, na introdução e em notas explicativas do autor e na apresen­tação escrita por Se­gismundo Spina, especialista em lírica trovadoresca.

Além da tradução poética, em funcional disposição paralela utilizando as páginas pares (texto original) e ímpares (texto traduzido), o leitor conta com tra­duções literais dos poemas, e também com a sequência das canções utilizada pelo compositor alemão Carl Orff na cantata Carmina Burana, que as popularizou.

Na cantata, composta em 1936 e estreada no ano seguinte em Frankfurt, Orff usou 23 canções da coletânea, em algumas servindo-se apenas de tre­chos. Além de compor, Orff era maestro, editor de músicas antigas e pedagogo. Criou um método de aprendizado musical através da sensibilização, com base princi­palmente no uso de instrumentos de percussão. Em Santos, a sua proposta de iniciação musical é bastante conhecida, pela aplicação que dela vem fazendo o Lavignac, há várias décadas.

No final, há uma relação das gravações disponíveis em CD da cantata de Orff, e outras da versão musical original. Destas, deixa de assinalar o registro do Ensemble Organum Marcel Pérès para a Harmonia Mundi, que merece menção.

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