Nem tudo o que aparece é vazio.
Estava escrito. Numa página do Borrador. Folheava o livro como um folioscópio. Não como um livreto simulador de animação, claro. Apenas à maneira do folhear acelerado.
De repente, algo me captou a atenção. Uma figura circular, ou forma aproximada, com manchas em seu interior. Lembro até que, detendo o ato mecânico de folhear, considerei haver certa coerência na ocorrência de borrões naquele livro. Afinal, era um livro para rascunho de lançamentos. Onde grassavam correções por rabiscos e vazamentos das canetas-tinteiro da época. E por isso apropriadamente denominado Borrador.
Escolhi um ponto ligeiramente recuado da posição em que parei de folhear, para tentar encontrar a página daquela figura. A primeira tentativa não deu certo, como era de se esperar. Teimosamente, ainda fiz várias tentativas aleatórias. Enfim, sem obter êxito, resolvi voltar um pouco mais atrás e folhear cuidadosamente página por página a partir dali. E algumas páginas adiante descobri porque não conseguia encontrar a tal página. O contorno circular estava lá, sim, mas não havia borrões.
Fiquei por instantes contemplando a página, pensando se as manchas não teriam sido fruto de imaginação. E assim, por certo tempo, continuei, atônito, mirando a página. Até que, como um benevolente crédito à minha percepção, considerei a possibilidade de haver outras páginas na sequência exibindo a mesma figura com borrões. Tipo um folioscópio de animação. Então, no momento em que me decidia a continuar folheando o livro, para averiguar essa possibilidade, eis que um fato inusitado ocorre ante meus olhos. A figura naquela página começa a ser invadida por manchas, formas irregulares e dinâmicas, voláteis, que vão se movimentando no interior do círculo.
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