Tão logo o metrô se pôs em movimento, deixando a estação Los Tribunales, tu fechou os olhos, para uma mirada interior, revendo o ligeiro convívio andante quase errante pela avenida Corrientes, ao lado daquela dupla, o fotógrafo e seu amigo cego. Borges e Casares. Teriam sido eles?
Uma breve pausa, entre o pensamento e a meditação. Se houve alguma parada intermediária no percurso, tu não percebeu. Se dormiu, tampouco. De repente tu abriu os olhos com o barulho das portas do vagão se abrindo. Em reação de modo autômato, tu te sentiu levantando e correndo para a saída. Lá fora, tu identifica a Paulista, emergindo do subterrâneo na estação Trianon-Masp. O entardecer se infiltra entre os prédios ao longo da avenida, sombreando a Paulista da noite que se aproxima. Tua chegada te pareceu a personificação do enigma de As Ruínas Circulares, de Borges, vivificando as palavras introdutórias do conto. Nadie lo vió desembarcar en la unánime noche. Tu chegou como a sombra da noite, discreta mas envolvente, simultaneamente imperceptível e sensível. A sombria presença da noite, anônima e unânime. Não é em teu sonho que tu desembarca. É real o curso de asfalto, são reais as margens de concreto. Percebe, tu está diante do MASP, há um movimento de gente que desce as escadarias que levam ao auditório. Tu resolve seguir o fluxo, mas estanca subitamente ao lançar o olhar para a rua lateral. Saindo de um carro estacionado na ladeira, tu te depara contigo mesmo, que sobe correndo e passa por ti, sem te notar. Refeito, tu desce também as escadas. Lá embaixo, um cartaz te chama a atenção, anunciando um concerto. Música coral. Tua atenção se detém em alguns nomes: Madrigal Ars Viva, Maestro Klaus-Dieter Wolff, Instituto Goethe. E a data: oito de maio de 1971.
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