Em fins da década de 1960, assisti A Patch of Blue, um filme de 1965 dirigido por Guy Green, que no Brasil ganhou o título de Quando Só o Coração Vê. Estrelado por Sidney Poitier e Shelley Winters, contava a relação entre um rapaz negro e uma garota cega.
Anos depois, li em alguma publicação (não lembro qual) que a atriz Elizabeth Hartman, intérprete da garota cega, era brasileira. Isso me deixou curioso mas, após contatos com as fontes que foi possível acessar, numa época em que obter informações não estava ao alcance do dedo, acabei ficando sem saber de detalhes a respeito da sua atuação artística no Brasil.
Consegui saber que ela participara em outras produções nos Estados Unidos da América, e havia se suicidado na década de 1980.
Enfim, desisti. E, de certo modo, esqueci.
Em meados da década de 2010, ao completar pesquisa acadêmica iniciada por Inês Cruz, sobre a atuação de dois clubes culturais, o Clube de Arte de Santos e o Clube de Cinema de Santos, encontrei uma matéria jornalística sobre a exibição do filme A Ilha, numa das sessões do Clube de Cinema, em outubro de 1963. O evento contou com a presença do diretor, Walter Hugo Khouri, do compositor da trilha musical, Rogério Duprat, e de parte do elenco, no qual figurava a atriz Elizabeth Hartmann.
A relação sequencial entre as datas de produção dos filmes tornava plausível a informação anterior, pela compatibilidade cronológica, sendo tomada como elemento que apontava para provável confirmação do fato. E foi assim incorporada ao texto do livro QUADRO A QUADRO - Clubes de Cinema e Arte de Santos, de Inês Cruz, publicado pela Editora Leopoldianum, da Universidade Católica de Santos, em 2020.
Em 2023, num publicação de curiosidades na internet, vi uma matéria sobre "atrizes brasileiras ainda vivas e que você não sabia". E lá estava Elizabeth Hartmann, já entrando na casa dos 90 anos. E a informação sobre sua morte, passados já quase quarenta anos? É aí que se constata um pequeno detalhe, que passara despercebido, responsável certamente pelo equívoco: a atriz estadunidense de A Patch of Blue era Elizabeth Hartman (com um único "ene"), e não a atriz brasileira Elizabeth Hartmann (com dois "enes").
A primeira reação que tive foi de autodesapontamento. Como deixara passar em branco a oportunidade de averiguar aquela informação, tendo agora ao alcance dos dedos as hiperbólicas facilidades que a tecnologia do Século XXI oferece em relação aos recursos daquela época?
A segunda reação foi de pensar numa errata. Mas, pelas circunstâncias do erro, imaginei algo diferente do modelo tradicional de errata livresca. Então, ao rever alguns trechos do filme, um elemento principal capturou minha atenção: o tema principal da trilha sonora, composta por Jerry Goldsmith.
As três primeiras notas do tema apresentavam um desenho melódico muito semelhante (abstraída a característica ornamental de mordente) ao início de uma canção que eu havia escrito no final da década de 1960, ou talvez no começo da seguinte. Além disso, ambos os motivos melódicos repousavam sobre acorde maior com sétima maior.
A constatação me conduziu a incorporar aquele motivo como se fosse a origem da minha canção. Numa associação estritamente pessoal, o motivo seria uma espécie de representação da atriz americana Elizabeth Hartman e a minha canção representaria a atriz brasileira Elizabeth Hartmann. Para caracterizar a errata, a melodia da canção é exibida em várias seções (mantendo-se inalterada), enquanto as frases musicais vão tendo os acordes de apoio intercambiados em cada seção.
Além disso, um outro tipo de intercâmbio se desenrola entre um gênero musical americano (blues) e um gênero brasileiro (bossa nova), mais suscitando-os do que seguindo à risca suas características formais, rítmicas, melódicas.
E é deixada aos intérpretes a possibilidade de criar variações em torno da melodia, nos finais de frase e de seção. Mas sempre tendo como referência a nota que ocupa a posição de sétima maior do acorde corrente. E termina com uma redução do motivo original de Goldsmith à nota que caracteriza a sétima maior do acorde fundamental da canção, representando a ideia da alteração do título original do filme (A Patch of Blue) para A Pitch out Of the Blues (Uma nota que saiu do blues), trazendo à mente a expressão "out of the blue": surgida do nada, indeterminadamente ou, pior, equivocadamente: A(n) Errata for Elizabeth Hartman(n), uma errata para as duas atrizes.
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