Existem cidades naturais e cidades planejadas. E existem as transurbes. Existem?
01 - SEIS PÉS, SETE PALMOS, OITO EM FORMA DE INFINITO
- Quantas cidades tem uma cidade?
Antes de esboçar uma resposta, Audite fitou demoradamente o Alfaiate. Fixamente o fitou, ficou assim por longo tempo, não saberia dizer quanto. A demora parecia não encontrar qualquer sinal de impaciência na face do interlocutor. Aproveitou essa pequena condição de vantagem tática para elaborar, não uma resposta, que sequer imaginava qual seria, mas uma pergunta provocadora em devolução. O máximo que conseguiu foi uma imagem técnica:
- Conurbações? O Alfaiate não hesitou: - Talvez, mas me parece inapropriado. Não estou falando de urbes vizinhas que acabam se ligando pela extensão de suas periferias. Estou indagando se uma cidade pode conter outras cidades. Não é uma ideia de limites que se tocam, mas de espaços dentro de espaços. Seguiu-se longo momento de pausa, em que Audite procurou rever sua tática de oferecer pergunta no lugar de resposta. Decidiu prosseguir com a mesma estratégia, desenvolvendo a imagem sugerida pelo Alfaiate. - Ou talvez de limites em outra direção. Ou dimensão. - Sim?, pontuou o Alfaiate em sinal de curiosidade, uma espécie de aval à continuidade do raciocínio. - Ao invés de junções horizontais, em que uma cidade pode fazer fronteira com muitas outras cidades, não podemos pensar em limites verticais, para cima e para baixo, também com várias cidades em patamar interiores e superiores? Não saberia dizer como formulou a pergunta, mas ficou satisfeita em conseguir manter a tática do questionamento num nível mais incisivo de contestação.- Não obstante, perguntou-me sobre o que seria essa comunidade... como chama?
- Costa Mater.
- Ah, sim, não lembrava o nome. Essa comunidade da qual a senhora parece crer que faço parte. Pelo menos, é o que suas discretas insinuações me levam a suspeitar.
- E não é?, disparou Audite, aproveitando o ligeiro desvio de foco do Alfaiate. Virando o jogo, lançou a pergunta à queima-roupa.
O Alfaiate colocou as duas mãos sobre o balcão, e lançou de volta um olhar desafiador, fixando bem lá no fundo dos olhos de Audite.
- Vou lhe responder com a mesma sinceridade com que venho conversando consigo já há alguns dias. Ou semanas. E, desculpe-me pela expressão, estou me lixando para questões à queima-roupa. Estou me especializando na confecção de tecidos à prova de fogo, completou em tom jocoso.
Após a ligeira reprimenda, e balançando a cabeça em gesto negativo, o Alfaiate foi categórico:
- Não, não faço parte de tal comunidade, embora já tenha ouvido falar a respeito.
- Mas sabe onde fica?. Assim, de súbito, Audite abandonou a linha de raciocínio que vinha adotando, para aproveitar o momento e obter uma informação mais prática, mais precisa.
- Não, não sei. Ou pelo menos nunca vi. Pois, na verdade, já ouvi falarem de sua localização. Mas nunca fui lá. Nem sei bem onde fica...
- E lembra do que lhe disseram? Tem um endereço?
- O que me lembro de ter ouvido é que essa comunidade não tem localização fixa. Ou única. Mas guardei que fica perto da Laje.
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