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Fausto José


Conheci Fausto José a partir de contatos com o grupo Picaré, núcleo de poetas baseado na Faculdade de Comunicações de Santos, cujas publicações e atividades divulgávamos habitualmente nos programas de rádio que Sérgio Trombelli, Marcelo di Renzo, Márcio Pinheiro e eu produzíamos e apresentávamos, inicialmente na Rádio Clube de Santos e depois na Rádio A Tribuna, entre 1981 e 1984.


Na antologia poética que lançaram na época, constavam dois poemas de Fausto que me agradaram muito: um extremamente conciso (Resíduo), e outro (Rebotalhos) numa linha experimental que suprimia as vogais das palavras, deixando os correspondentes espaços gráficos em branco. Esse último não foi apenas uma questão de agrado, mas de provocação. O desafio de musicar um texto com tal configuração. Alguns anos antes, eu havia composto uma peça musical com um poema próprio, também sem vogais, mas numa outra disposição gráfica. Não fiquei satisfeito com o resultado, e não tive ânimo então para experimentar soluções alternativas.


Em 1988, fui surpreendido com uma solicitação de Fausto para que eu escrevesse a apresentação do livro Alguém Chamado Gilberto Mendes, provavelmente a primeira biografia do compositor, que estava atrelado a um projeto educacional, de palestras em escolas públicas e atividades afins. Entre redigir um prefácio típico, optei por seguir o espírito da concisão que me agradou naquele curto poema, e escrevi seis linhas.


Quantas biografias já não foram escritas de famosos compositores e artistas?!


Acredito que, se pudesse, Gilberto Mendes leria todas elas.

Coisa de quem sabe dar valor à dimensão humana que envolve cada música, cada tela, cada poema...


Chegaria a ver de alguém contar a história dele.

E a sensibilidade do poeta Fausto José soube captar esse momento.


Na década seguinte, a dedicação, a competência e o denodo de Fausto marcaram o jornalismo da região com seu estilo pessoal, principalmente na apresentação de um telejornal voltado ao porto de Santos.


A próxima interlocução com ele se deu em sua área profissional, quando esteve em casa com a equipe de jornalismo de uma emissora local de televisão, para colher um depoimento meu sobre Antônio Carlos Jobim, logo após a sua morte. Ao pensar sobre o que dizer, não querendo me prender a lamentações de perda, optei por uma metáfora associando a criatividade do Samba de Uma Nota Só como um legado de Jobim para a música brasileira, que certamente se multiplicaria em muitas outras notas, a serem escritas por muitos compositores inspirados por essa e outras músicas dele.


Nove anos depois, essa interlocução repercutiria em mim, na peça para piano A Quem Quer Todas As Notas, expandida para um ciclo de canções variantes de Jobim (Duas Vezes Três Canções Fora de Tom).


Quando Gilberto Mendes morreu, no começo de 2016, instado a escrever algo no encarte de um disco (CD) sobre o Festival Música Nova, produzido pelo SESC, ocorreu de recuperar aquela apresentação que fiz no livro biográfico de Fausto sobre o compositor, texto ao qual dei o título homônimo de seu livro: Alguém Chamado Gilberto Mendes.


Por essa época, o contato com Fausto, que já morava em Brasília há muitos anos, havia ficado restrito a mensagens via internet e publicações nas redes sociais. E foi por uma delas que fiquei sabendo do seu zine, Beco Afro, lançado em 2019. Uma das poesias (Reggaezinho) do livro resultou na criação, quase instantânea, da canção Beco Afro Reggazinho.


No entusiasmo dessa parceria, trocamos ideias sobre uma montagem musical, cênica, videográfica ou mais o que fosse cabível, com base em outro texto que Fausto vinha escrevendo, como de hábito articulando uma busca expressiva própria, representativa de uma consciência social e política sempre presente. A pandemia que assolou a humanidade "no mundo de 2020" dificultou levar o projeto adiante.


Mas teve o condão de me levar de volta àquela tentativa frustrada de musicar um fluxo de texto desvocalizado. E assim considerei encarar de novo o desafio de "Rebotalhos". A meu pedido, ele mandou uma cópia digital do zine todo (o texto publicado na antologia do Picaré era praticamente um poema conceito do processo).


Ainda estou me debruçando sobre esse texto e, mais uma vez, não sei se conseguirei. Mas, definitivamente, já o incorporei no título de um ciclo de canções: Concha de Rebotalhos.



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